Faz um calor infernal nessa cidade no verão. Tipo, um calor abafado como uma cidade de praia, mas sem o elemento principal, que é a praia. Assim, o dry-fit das camisetas de futebol vem bem a calhar, e o brasileiro está tão dominante nessas terras do rio da prata que se sente à vontade o suficiente para desfilar pelo tradicional (e perigoso) bairro de La Boca com camisas de diversos times brasileiros sem maiores constrangimentos em relação ao fato de que se trata do bairro do Boca Junior, o time mais famoso da Argentina.
É uma região maltratada da cidade, desorganizada, mas que tem um charme turístico muito peculiar: as famosas casinhas coloridas que enfeitam as principais (duas ou três) vielas logo ao lado do antigo porto de Buenos Aires, de ruas estreitas e movimento intenso de turistas. De toda forma, a localização periférica reforça o elemento popular que é tão característico do Boca. Ele é praticamente o corinthians local (e tinha até as mesmas cores que o Corinthians antes do conflito pela mudança das cores do time) e tem mais ou menos a mesma fama que o time brasileiro por aqui: uma equipe mais popular e que tem a massa dos seus torcedores em camadas mais desfavorecidas da população, enquanto o River pode ser associado ao São Paulo, um time mais elitizado e com mais estrutura, além de usar também quase as mesmas referências de cores do São Paulo.
As semelhanças param ai, começando pelo fato do Boca ter um estádio, aliás, não só um estádio, mas sim um ponto turístico na cidade de Buenos Aires. A maioria dos gringos, atraídos pela idéia de maradona de antigamente vendida no exterior, e pela própria estrutura absolutamente esquisita do lugar, visita o estádio do Boca (que merecerá, futuramente, um post próprio) para ver a estátua do infeliz que fica na entrada do museu e os feitos do atacante realizados na equipe. Eles vendem seus jogadores muito bem, aliás: tem fitas com os melhores momentos do Riquelme, Palermo, Maradona, claro, e vários outros infelizes que não vou conseguir me lembrar por agora, mas que estão, igualmente, inscritos na calçada da fama ao longo da entrada principal do museu. Vendem tudo, as libertadores, as cores, a fama do bairro, tudo junto com o time... E andam vendendo só pra gringo mesmo, e namoradas de brasileiros desinformadas, que não sabem que os dois principais times argentinos não conseguiram se classificar para a Libertadores desse ano (que pelo nível de mediocridade deve até dar alguma chance pros times brasileiros). Fiquei impressionada em saber, hoje, que a camisa do Boca é mais cara que a da Argentina, oficial, uns 100 pesos mais cara, mesmo nesse período de transição de uniformes. Por isso, só vejo estrangeiros com a blusa do time: os portenhos não usam a camisa do Boca, você vê muito mais "nativos" usando a blusa do River.
Por mais que a época não seja favorável para o futebol na américa latina, já que estamos ainda em pré-temporada também aqui na Argentina, sinto um fenômeno de desfutibolização no país, congruente com a frustação política e econômica. E então os brasileiros, como eu já disse, aproveitam, e esnobam, sem medo, seus times pelo caminito afora. Por mais que eu tenha certeza que meus dois amigos de blog certamente não abririam mão de usarem suas camisas do SPFC na visita ao Caminito, já apostando também que eles jamais iriam ao museu do Boca (onde eu aliás fiz questão de não passar da porta), acredito que em outros tempos essa naturalidade não seria possível. Nada mais aqui parece impor respeito, nem mesmo os feitos do passado. Tudo virou lembrancinha de turista.
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